quarta-feira, 30 de maio de 2012

MANIFESTO DO FISM SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRATAMENTO A PESSOAS EM USO PREJUDICIAL DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS


18 DE MAIO DE 2012 DIA NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL
28 DE MAIO DE 2012 DIA DE PUBLICAÇÃO DA LEI ESTADUAL DE SAÚDE MENTAL

O Fórum Intersetorial de Saúde Mental de MT vem a público esclarecer sua posição no debate em torno do Tratamento para Pessoas em uso prejudicial de substâncias psicoativas instaurado em todo o Brasil. Primeiramente é preciso relembrar que o Fórum Intersetorial de Saúde Mental tem como base de suas ações as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e o relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental no sentido de incentivar o controle social em suas várias maneiras de acontecerem (Conselhos, Sindicatos, Foruns, etc). Ou seja, nossos debates e nossas posições não são baseados em opiniões pessoais, mas sim posições coletivas construídas a partir da experiência e escuta de familiares e usuários dos serviços do SUS e participação nos vários debates sobre a Saúde Mental.
Dia 18 de maio de 2012 comemoramos 25 anos do movimento da Luta Antimanicomial. Foi o dia em que trabalhadores da saúde mental da cidade de Bauru-SP reuniram-se para reivindicar tratamento digno aos portadores de transtornos mentais. Este movimento subsidiou a Reforma Psiquiátrica, através da Lei Federal 10216 de 2001, trata da proteção e direitos de pessoas com transtorno mental e usuários de álcool e drogas e  redimensiona, dando diretrizes de tratamento aberto como principal eixo de inclusão dos “diferentes”.
A questão das políticas públicas sobre o tratamento para a dependência química é “a bola da vez”. É grande o interesse da população pelo assunto relacionado às drogas, o que faz com que gestores, políticos, entre outros, apresentem à população medidas que reforçam ainda mais a exclusão e os mitos que envolvem esse campo. Propagam a internação como a única forma de tratamento e também a incapacidade do usuário de drogas em definir o que quer, pautados nestes lemas se colocam como os defensores da sociedade, dos mais fracos, querendo acabar com o “mal que assola nossa sociedade”. Esse discurso encobre uma dura realidade em nosso país, das desigualdades, da corrupção, do não investimento em saúde, educação e segurança pública.
A dependência química não é uma novidade. Há quantos séculos o homem se relaciona com substâncias psicoativas para se colocar em uma experiência física e mental para além de sua possibilidade de percepção? Guerras foram deflagradas por nações por causa do ópio (China e Inglaterra). O tabaco foi uma das descobertas mais lucrativas com a colonização das Américas. O álcool foi proibido nos tempos de recessão dos Estados Unidos por impedir a entorpecer trabalhadores das fábricas, comprometendo seus lucros.
Atualmente uma pequena parcela da população tornou-se dependente do crack, da pasta base e do ox. Pessoas que já se encontravam em vulnerabilidade social, já possuíam inúmeros transtornos de ordem mental, emocional, social. E estas mesmas pessoas representam um sintoma social que, segundo a lógica da “ordem e do progresso”, devem ser retiradas do cenário, como varremos o lixo para debaixo do tapete. Porém, as drogas que mais matam continuam sendo o álcool e o tabaco.
A população mato-grossense desconhece que desde dezembro temos uma Política Estadual de Saúde Mental aprovada pelo Conselho Estadual de Saúde e publicada no Diário Oficial do Estado. Já esta semana, em 28 de maio de 2012, tivemos a publicação da Lei Estadual de Saúde Mental alinhada à Lei Federal 10216 de 2001, dando as diretrizes de como gestores estadual e municipais devem cuidar da saúde mental da população. A proposta do Ministério da Saúde não foi minimamente implantada pelos gestores, que consiste em uma rede complexa formada por:
  • capacitação dos profissionais dos PSFs, implantação dos NASFs (Núcleos de Apoio ao Saúde da Família),
  • CAPS suficiente para o número de habitantes e de fácil acesso à população, Leitos Psiquiátricos em Hospitais Gerais para emergências psiquiátricas como desintoxicação e agitação psicomotora,
  • Consultórios de Rua em quantidade suficiente
  • Programa de Redução de Danos com redutores de danos ativos,
  • prédios de saúde mental com infra-estrutura minimamente digna,
  • profissionais em saúde mental ganhando salário digno e servidor público com vínculo garantido, através de concurso público;
  • SAMU capacitado em saúde mental;
  • Residências Terapêuticas para desinstitucionalizar aqueles abandonados por suas famílias em manicômios;
  • incentivo a Oficinas de Geração de Renda;
  • Atenção Residencial Transitória, que acolhe a população que, em função da dependência química rompeu seus laços sociais.
Nenhum trabalhador de saúde mental hoje, mesmo aqueles que defendem as Comunidades Terapêuticas, estão satisfeitos com suas condições de trabalho. Todos concordam que a saúde mental foi sucateada e que a rede de atenção psicossocial que deveríamos ter não foi implantada. Desta forma é claro que a saúde não poderá produzir bons resultados. Além da saúde, existe área de assistência social, que pela Lei Orgânica de Assistência Social, desenvolvem seus atendimentos através dos CRASS (Centros de Referência de Assistência Social) junto às populações em vulnerabilidade, mas que também sabemos estão precarizados e isolados da rede de atenção psicossocial.
Cabem, portanto as questões: Por que os gestores não empregam o dinheiro arrecadado através da alta contribuição tributária (impostos) paga por todos nós cidadãos nos serviços de saúde mental que estão depredados? É aceitável que os gestores empreguem o dinheiro público em Comunidades Terapêuticas, que em alguns casos são iniciativas de “boa fé”, em outros são a reprodução dos manicômios que sobreviveram até a poucos anos atrás, antes de consolidar a rede de atenção psicossocial? Por que os gestores estão fechando os olhos às denúncias de infração de direitos humanos encontradas tanto em Unidades de Internação de Saúde quanto em Comunidades Terapêuticas (CTs), investindo os recursos para as CTs e não para os serviços que o Estado tem obrigação de manter? O aumento de instituições como essas não é resultado justamente da AUSÊNCIA DO ESTADO na consolidação do SUS? Por que à beira da Copa do Mundo no Brasil e das eleições para prefeitura e câmara de vereadores os gestores estão defendendo, como forma prioritária de política pública em saúde, técnicas já superadas ou duvidosas para a “cura” da dependência química? ENTENDEMOS QUE TODOS TÊM A LIBERDADE DE EXERCER SEU “AMOR AO PRÓXIMO”, MAS ESSAS PRÁTICAS NÃO DEVEM SER UMA MULETA DO ESTADO OMISSO EM SEU DEVER DE PROMOVER A SAÚDE.
O cenário atual se compõe de: milhares de famílias encontram-se em desespero por não saber como tratar seu ente que está dependente químico; uma parcela forte dos magistrados defende a internação compulsória como única maneira de garantir um tratamento; gestores do Poder Executivo desconhecem seus próprios serviços, desconhecem técnicas e linhas de tratamento e negligenciam programas de prevenção e promoção de saúde, enquanto isso fornecem armas para as operações de limpeza social.
Não é possível aceitarmos em um país que se diz democrático, que os gestores federal, estaduais e municipais revertam o que deveria ser uma exceção ou uma última opção após o que não deu certo (as comunidades terapêuticas e a internação compulsória), em prioridade e solução para o tratamento da dependência química.
As três esferas de governo (municipal, estadual e federal) têm acesso ao Relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, que envolveu aproximadamente 50 mil pessoas em todos os municípios do país em 2010. As três esferas possuem assessores e técnicos altamente qualificados para traçarem plataformas de governo e políticas públicas em saúde mental. Porém os gestores só têm ouvidos para as bancadas de deputados com interesses que beneficiam a si próprios e a uma ínfima parcela abastada da população. Gestores e parlamentares desconhecem a importância das Conferências de Saúde, que são um meio do controle social, mostrar aos gestores o que a população realmente necessita. 
Sabemos que todos os recursos que estão sendo destinados à Copa do Mundo estão beneficiando grandes empreendimentos imobiliários que tornará o Brasil um lindo cenário sem sujeira pelas ruas, que agradará turistas durante um mês. Mesclados a essa sujeira encontram-se as pessoas em completo abandono, produzindo um suicídio coletivo. De onde essas pessoas vêm (por que estão assim)? Para onde essas pessoas vão (o que fazer para ajudá-las e evitar que novos cidadãos se excluam)? No desespero, a população completamente vulnerável, só pode contar com a “caridade” das iniciativas de técnicas e finalidades duvidosas, com promessas de cura e soluções milagrosas. Limpeza social: essa é a atual política pública em relação ao tratamento para dependência química.