O Fórum Intersetorial de Saúde Mental de MT (FISM) vem
a público manifestar sua posição sobre o Plano de Operações nº 002/SESP/2012, que
é uma Operação Integrada de Segurança Pública com foco nos moradores em
situação de rua, que para a Secretaria de Segurança Pública - SESP são
claramente usuários de drogas. Esta operação pretende “limpar” a cidade e
promover a “paz social” em Cuiabá-MT, o que para nós do FISM é um grande
equívoco.
Lembramos que o FISM defende as diretrizes do Sistema
Único de Saúde (SUS), da Política Nacional de Saúde Mental, o cumprimento da
Lei Federal nº 10.216/2001 conhecida como Lei da Saúde Mental e o relatório da
IV Conferência Nacional de Saúde Mental (2010), que reafirmaram conceitos e
diretrizes neste campo. Assim sendo, os debates e posições do FISM não são
baseados em opiniões pessoais, mas sim posições coletivas, construídas a partir
da experiência profissional e da escuta de familiares e usuários dos serviços
do SUS bem como os vários espaços de debates sobre a Saúde Mental (Conselhos
Estadual e Municipal de Saúde, Fóruns, Universidades, Sindicatos, Conselhos de
classe e de direito, etc). Além disso, o FISM está em constante debate com
outros movimentos sociais de todo o Brasil em prol da sustentação dos direitos das
pessoas em sofrimento mental e/ou com problemas decorrentes do uso de álcool e
outras drogas.
Observa-se que as políticas públicas para o tratamento
de pessoas em uso abusivo de drogas é “a bola da vez”, não só pelo motivo do
aumento do número de pessoas em uso delas, mas também pelo modo como se poderá
usar esta questão em prol de interesses individuais, de grupos e de políticos.
Sendo assim estamos vendo políticos e gestores dos serviços públicos
apresentarem à população medidas e intervenções imediatistas que reforçam ainda
mais a exclusão e os mitos que envolvem esse campo. Propagam a internação
compulsória como a única forma de tratamento justificada na incapacidade do
usuário de drogas em definir o que quer, se colocando assim como os defensores
da sociedade, dos mais fracos, querendo acabar com o “mal que assola nossa
sociedade”. Esse discurso encobre uma dura realidade em nosso país: das desigualdades,
da corrupção, do não investimento em saúde e educação.
O uso de drogas não surgiu em nossos dias. Há quantos
séculos o homem se relaciona com substâncias psicoativas para se colocar em uma
experiência física e mental para além de sua possibilidade de percepção?
Guerras foram deflagradas por nações por causa do ópio (China e Inglaterra). O
tabaco foi uma das descobertas mais lucrativas com a colonização das Américas.
O álcool foi proibido nos tempos de recessão dos Estados Unidos para impedir o entorpecimento
dos trabalhadores das fábricas, e assim não comprometer seus lucros.
Atualmente, uma pequena parcela da população tornou-se
usuária e/ou dependente do crack e da pasta base de cocaína, pessoas estas que
já se encontravam em vulnerabilidade social pelos mais diversos motivos e, que
já possuíam inúmeros transtornos de ordem mental, emocional, social, mas ao
passarem a representar um risco para a sociedade e um sintoma social que,
segundo a lógica da “ordem e do progresso”, não servem para mais nada, devem
ser retiradas do cenário, varrendo o lixo para debaixo do tapete. Em tempo, as
drogas que mais matam continuam sendo o álcool e o tabaco.
Hoje, dezembro de 2012, está em ação um famigerado
Plano de limpeza da cidade organizado pela SESP-MT (OPERAÇÃO INTEGRADA ÁGAPE),
no intuito da lógica acima descrita, ou seja, muito mais de retirar pessoas
assustadoras do cenário urbano do que em atendê-las em sua vulnerabilidade.
Tratar a vulnerabilidade social é diminuir desigualdades em um processo firme,
porém de médio a longo prazo, de forma intersetorial, pois a situação de rua
tem origem multifatorial (desemprego, falta de educação, moradia, transtornos
mentais, problemas familiares, violência no lar, etc).
Apesar do Plano de Operação Integrada Àgape ter sido
divulgado que seria com a participação de vários setores do poder público, na
prática não houve o diálogo para a intersetorialidade que um plano como este
requer, e ainda sabe-se que os profissionais dos serviços de saúde mental que
teriam que prestar alguma assistência foram somente comunicados da chegada de
várias pessoas ao serviço, coagidos da mesma forma que os cidadãos de rua a
responder somente a ordens e determinações, desqualificando assim qualquer
avaliação por parte dos mesmos.
Esta “operação” (termo policial) tem como objetivo o
“recolhimento, triagem e condução para local apropriado de tratamento”. É
considerado por este plano que todas as pessoas em situação de rua são
usuárias de drogas. Para o FISM a essência deste plano é estritamente
repressiva, autoritária e aviltante, pois fala em “recolhimento”, coisificando
pessoas como se fosse lixo, e fala de “resgate da paz social”, como se paz
dependesse da retirada dessas pessoas das ruas. A propósito, a operação AGAPE
(no grego significa amor de Deus), realizada em dezembro (NATAL) é no mínimo
perversa, na medida em que se utiliza de um nome sugestivo de fraternidade e
uma data comemorativa para impor uma certa lógica de “tratamento”.
Para restituir a cidadania às pessoas marginalizadas socialmente
é necessário o cumprimento de formas de organização de serviços já preconizadas
pelo setor saúde, educação, assistência social, justiça, segurança pública,
etc, mas falta vontade política e empenho dos gestores públicos.
As a ações esporádicas deste plano não podem e nem vai
resolver o problema. As pessoas precisam de famílias sem violência, de
trabalho, de saúde, de casa pra morar, de escola, etc. Não é uma internação
obrigatória que isola do convívio, não é um remédio, um banho, uma roupa uma só
vez que tira uma pessoa da situação de exclusão e abandono. Por isso, a maioria
das pessoas que foram reprimidas e recolhidas por esta operação já está
novamente na rua. Fugiram!
Cuiabá possui um serviço ligado à Secretaria Municipal
de Saúde, preconizado na Política Nacional de Saúde Mental, que faz um trabalho
de abordagem e acolhimento às pessoas em situação de rua encaminhando-as aos
serviços públicos da cidade – o Consultório de Rua (CR). O vínculo e a
confiança construída em um ano de trabalho do CR ficaram abalados, pois a
operação, que representa o poder, veio em nome da “ordem e progresso” com
repressão e compulsoriedade. O CR tem uma proposta acolhedora, de cuidado em
saúde com as pessoas, de resgate da cidadania baseada em direitos, e devidamente
executada por profissionais habilitados para tal, e portanto com todas as
chances de efetivamente obter bons resultados.
O tratamento para a dependência química é bastante
complexo, considerando os múltiplos fatores que envolvem o problema. A adesão ao
tratamento é difícil, as recaídas fazem parte e dificuldades do manejo são
infinitas, sem falar do trabalho de quebra de paradigmas junto a família e
sociedade para uma tecnologia assistencial que
adota procedimentos baseados em conhecimentos científicos e não mais em
posturas morais e religiosas que só reforçam preconceito e exclusão.
O que podemos esperar de uma operação em que o
tratamento/assistência está associado a repressão e punição? Que resultado
pode-se obter de uma ação como esta que não seja somente o aumento da
dificuldade já existente para se alcançar esta população de forma que se
vinculem a algum serviço e assim passem a ter possibilidades de recobrar a
visibilidade, a saúde e a humanidade perdida, seja pelo uso de drogas ou de
suas vulnerabilidades individuais, sociais, emocionais, familiares ou
financeiras?
Finalizando, o FISM vem repudiar as ações da Operação
Ágape realizadas em Cuiabá e adjacências, pois usam da autoridade estatal para
violar princípios éticos e de cidadania com ações normalizadoras em detrimento
de uma responsabilização necessária diante da grandeza do problema. O povo
precisa é de cuidado!!